https://docs.google.com/document/d/1hY5wr5SMbC34ni3Cs9jlKGrpKEiFyfUd/edit?usp=sharing&ouid=115443038285423072431&rtpof=true&sd=true
Série histórica dos modelos de estrutura espacial da cidade moderna segundo Harris e Ullman 1945 Clique na imagem para ampliar |
A citação acima, pinçada do texto clássico de Vance Jr, não é seguramente a que melhor resume o seu conteúdo. Mas nos remete a um aspecto crítico do estudo da organização espacial urbana: o seu status epistemológico.
“Esses três conceitos de estrutura urbana não são diametralmente opostos uns aos outros. Cada conceito provavelmente tem alguma importância para explicar a estrutura de qualquer cidade. (..) As mesmas concepções teóricas gerais, como a tentativa de minimizar os custos de atrito tomada como princípio organizacional, são aplicáveis em graus variáveis a todas as três concepções da estrutura de uma cidade.” [Richardson 1969]
“The several theories that seek to describe the physical structure of cities furnish us with universals. Yet each stands as a partial but insufficient truth. (..) The existence of this set of theories of partial truth indicates that what we deal with is not a simply-sufficient paradigm but rather a series of explanations, which in combination approach completeness.’ [Vance 1971]
Congelado desde 1945 no esquema geográfico dos “três modelos” de Harris/Ullman, o paradigma científico da organização espacial urbana parece ter sido progressivamente substituído, a partir da década de 1970, pelo modelo alonso-thuneniano (1964) da economia espacial neoclássica [3] - mais afeito, talvez, à ascensão das ideias e políticas neoliberais do último quarto do século XX -, que explica a distribuição geral dos usos do solo urbano também como um conjunto de círculos concêntricos, derivados, porém, das ofertas de renda dos agentes econômicos individuais (firmas e famílias) pelas localizações (m2 de terreno) mais vantajosas segundo o critério da menor distância ao centro urbano.
The main argument of this paper (..) is simply that the treatment of urban land as a source of income, which came in with the general conceptual baggage of the capitalist system as it developed, fundamentally transformed the morphology of the city. (..) For us the essential point is that of the use to which property was put. (..) Ownership was divorced from use and a class of capitalists arose that had little to do directly either with the productive and trading activities of the town or with the conduct of its government. [4]
Pouco adiante, ele irá completar esse percurso reivindicando o modelo de Alonso como paradigmático do estudo da moderna localização residencial:
William Alonso's Location and Land Use deals with that choice [housing decisions of the affluent] in a scholarly frame arguing that the craving of the wealthy for space accounts for their shift to the city's edge. [5]
Se por um lado a abordagem de Vance tem o mérito indiscutível de postular a historicidade das estruturas urbanas, por outro o trânsito de Ernest Burgess a William Alonso parece lhe cobrar um preço, que é precisamente o apagamento da perspectiva histórica característico da cultura científica da economia espacial neoclássica. Vance analisa e descreve as formas de apropriação da terra urbana nas sociedades que chama de pré-capitalista, capitalista e pós-capitalista, mas não se debruça sobre os processos de transição entre essas etapas e o modus operandi de suas forças motrizes.
Seu postulado sobre o fundamento da cidade capitalista padece, a meu juízo, de um lacuna histórica crucial: assim como a renda agrícola de Von Thunen (1826) [6] supõe a produção para o mercado situado na cidade central, portanto totalmente desembaraçada dos vínculos feudais, também a renda urbana de Alonso (1964) não pode provir, como por encanto, da mera propriedade privada da terra: ela supõe a riqueza oriunda da produção generalizada de mercadorias, vale dizer da produção agrícola e manufatureira para o mercado, baseada no trabalho assalariado, e sua livre circulação nas cidades a partir de núcleos comerciais desembaraçados das obrigações senhoriais, separados das lojas dos artesãos feudais numa primeira etapa e, mais tarde, das residências dos próprios comerciantes.Tema para postagens subsequentes, dedicadas ao espinhoso, porém fascinante, problema da transição do burgo feudal a urbe capitalista.
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NOTAS
[1] HARRIS C D e ULLMAN E L (1945), "The Nature of Cities". The Annals of the American Academy of Political and Social Science. 242: 7–17.
[2] RICHARDSON H W (1969), Economia Regional - Teoria da Localização, Estrutura Urbana e Crescimento Regional. Rio de Janeiro: Zahar 1975
[3] ABRAMO P (2001) Mercado e Ordem Urbana: do caos à teoria da localização residencial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil 2001, pp. 65-87
[6] SCHUMPETER J A (1954): Historia del Análisis Económico 524-529. Barcelona: Editorial Ariel 1982.
2023-07-26